sábado, 8 de outubro de 2011

Sixth Sense - Brown Eyed Girls

Olá! Bem, depois de um tempo sem análise, volto com o vídeo Sixth Sense, da girlband sul-coreana Brown Eyed Girls. Não conheço muito do trabalho da girlband (exceto que produzem singles e vídeos viciantes), mas esse vídeo, em especial, me chamou a atenção. No começo achei que eu estava simplesmente viajando na maionese, mas pessoas queridas me disseram que não era uma viagem tão grande e que, sim, muita coisa fazia sentido. Em suma, eu considero o vídeo uma alfinetada à Coréia do Norte. Mas para entender o vídeo, é preciso entender um pouco da situação.

[ Primeiramente, eu não sou especialista, nem cientista política, nem diplomata, nem coreana. Logo... eu não estou dizendo que a minha visão é a única correta ou algo assim. Porque eu nem tenho uma visão em especial para esse caso. Enfim, todo mundo sabe que Coréia do Sul e Coréia do Norte não se bicam. Eles tem vários problemas. O que rola é o seguinte: ]

Fontes: Linha do Tempo até 2002 | Infográfico da G1 de 05/2010 | Resumo da guerra bem simples | Wikipédia sobre Coréia do Sul | Coréia do Norte ?

Com esses links acima, impossível você não entender (especialmente em Síndrome de Estocolmo + BBC + G1 com o infográfico maravilhoso que tem uma boa animação que te dá a dimensão do que aconteceu). Mas vou dar a minha explicação para quem não tem tempo de ler tudo, e ela é bem simples e resumida: você lembra das aulas de história sobre Guerra Fria? Se você não lembra, vou te refrescar. Logo depois da Segunda Guerra Mundial, ficou decidido que quem estava mandando no mundo eram os Estados Unidos da América (heróis! valentes! corajosos! Rambo matando todos!) e a União Soviética (comunistas que comem criancinhas!). Esses comentários entre parênteses eram a visão que o Brasil tinha, tendo ficado do lado dos EUA. E basicamente os dois países eram como feras que ficavam se encarando, recuando às vezes, avançando de vez em quando, montando estratégias e suspeitando de tudo. Nunca se atacavam diretamente. Mas financiavam a indústria bélica, mentiam sobre o inimigo aos seus cidadãos em jornais, matava quem se opunha, pressionava para que seus atletas, estudantes e tudo o mais fossem os melhores nas Olímpiadas da vida, disputavam pra ver quem chegava primeiro na Lua, Saturno ou Estrela da Morte. E ficaram nisso por um bom tempo.

E quando queriam se atacar, era simples: eles eram sempre oponentes nas guerras que rolava pelo mundo. Eles estavam lá na África do Sul, por exemplo, na luta contra o Apartheid. Eles estavam em todos os cantos. E estavam na Coréia.

Primeiro: a Coréia não é um país de sorte. Tinha China e Japão ferrando bonito de cada lado. Coitada. E, então, depois da 2ª Guerra Mundial, os soviéticos e os americanos decidiram entrar na dança também. Começaram a disputar território na Coréia. E os soviéticos ficaram no norte, ao passo que os americanos ficaram no sul. Então, Coréia do Norte declarou independência e ficou decidido que ia permanecer separado e tudo o mais. Aparentemente, para leigos desinteressados, ia ficar do mesmo jeito. Mas acontece que um lindo exército atacou o outro (nas versões oficiais, diz-se que quem começou foi Coréia do Norte, mas a gente sabe que história nunca tem UM culpado) e começou a chamada Guerra das Coréias, em 1950. Em poucos meses, o exército do norte já tinha invadido tudo do sul e, claro, os EUA ~ salvadores do mundo -n~ tomaram providências e deram uma ajuda aos sul-coreanos e conseguiram conter o avanço nortista. Não demorou muito tempo e a mesa virou de vez: o exército sul-coreano que avançou totalmente pro norte e pegou quase tudo, só que aí chegaram na fronteira com a China.

E então a China achou que aquilo tava virando putaria já e entrou na guerra, para ajudar os norte-coreanos e avançaram again. Nesse lance, pegaram a Seul novamente (que hoje é a capital da Coréia do Sul). E novamente, americanos e sul-coreanos ficaram mais putos ainda e conseguiram recuperar a Seul. Em 1953, os ataques cessaram. Isso quer dizer que foi assinado um cessar-fogo. Importante ressaltar: não foi assinado um acordo de paz. Isso quer dizer que, oficialmente, a guerra nunca acabou. No final das contas, Pyongyang ficou como capital da Coréia do Norte e Seul como capital da Coréia do Sul. E os sobreviventes tiveram que velar mais de 3 milhões de coreanos que morreram no conflito. E hoje, depois da Guerra Fria, temos uma Coréia do Sul mega-super-hiper-desenvolvida, toda high tech, com bons índices de crescimento e temos uma Coréia do Norte em um regime tão, mas tão fechado que não temos nem idéia de como as coisas REALMENTE são por lá. Claro que tem sempre uma matéria babaca pra falar de como lá é horrível por causa do regime comunista e ditadorial e eu não duvido disso, mas ninguém tem uma noção de como as coisas realmente funcionam lá. É realmente um país muito fechado. Só sabemos que há uma ditadura, que é um regime comunista (que não anda bem de pernas) e todos tem receio.

Em suma, Coréia do Norte e Coréia do Sul vivem uma relação muito, muito complicada.

Link
fronteira entre as duas Coréias.

Quando eu vi esse vídeo pela primeira vez, fiquei com a pulga atrás da orelha. Eu realmente achei que poderia ser uma indireta à situação na Coréia do Norte. Eu não faço idéia se estou certa (até porque na análise que encontrei no fan-site da girlband, não tem nada falando sobre a guerra), mas eu acho realmente interessante essa idéia. Essas girlbands tem uma fama de serem superficiais por toda a imagem perfeita que possuem. A letra me faz pensar mais ainda. Óbvio que você pode pegar a letra como dois amantes ou algo assim. Mas, creio eu, faz um pouco mais de sentido se tentar ler a letra meio como a Coréia do Sul falando com a Coréia do Norte. Repare um trecho que peguei de um fan-site brasileiro da Brown Eyed Girls:

Apenas me siga enquanto eu te escolto
(Novo Mundo) Olhe para isto se você não acha que irá experienciar algo mais obscuro
(Me siga) uh (Diga meu nome) um pouco mais alto
Você não vai me esquecer, cante pra mim querido
(Me siga) está certo (diga meu nome) gracias
Consegue seguir?
Você não será capaz de esquecer isto depois de ouvir
Outra música vai se tornar entediante
(Levante os braços!) Pare e atire!


Fonte da tradução: Just BEG



Temos o portão negro com as paredes brancas, e asas imensas e negras - de uma gárgula? Evidentemente um imponente palácio, pertencente à uma pessoa rica ou algo assim. Temos uma câmera de vigilância - já temos, aqui, o conceito de observação, vigilância constante 24h que é repetido no vídeo todo. E então temos as quatro integrantes do grupo, cada uma representando algo diferente. De acordo com a liricista Kim (que colaborou na música), há vários conceitos que ela explica muito bem. Primeiro ela nos lembra que a história do vídeo não é linear, seguindo uma ordem de sequências. Cada garota representa algo diferente e não é necessariamente antes, durante ou depois dos eventos. De acordo com ela, a Jea está presa nos galhos, representa o sacrifício. A Miryo é a "reveladora das mensagens", sendo a rapper principal - tem os microfones enfileirados diante dela. A Narsha incorpora o sexto sentido em si, sendo a parte animalesca (sua roupa de oncinha esclarece bem isso), e a Ga-In, acorrentada na cadeira, representa resistência.

Então, nessa análise, estou pegando muito dos significados que a Kim nos deu para montar a minha própria interpretação, tendo o contexto político em mente.




Pensando na guerra real, é fácil associar os soldados da tropa de choque e o ditador que aparece mascarado em alguns frames como o ditador da Coréia do Norte ou como uma representação física do "Absoluto" (como Kim chama), da mentalidade de prisão, censura, vigilância total. Ele é o chefe. Seu símbolo é uma estrela de seis pontas, sendo uma delas vermelha. Usa uma máscara dourada - mentira, farsa, alienação. Temos os jornais colocados e pichados, tendo palavras e frases como BREAK OUR HEARTS, YOU HAVE A VOICE, THE SUN (alusão ao tablóide britânico?), FEEL WATCH PLUS, I REMEMBER SPELLING OUT OUR / OWN PRIVATE RESISTANCE, SIXTH SENSE, IN A WORLD MEANT TO BREAK. Temos o pano vermelho atrás do ditador, sendo a cor predominante da tropa de choque e do ditador que aqui chamaremos de Absoluto.

De um lado, as tropas de choque uniformizadas, enfileiradas, organizadas, tendo os holofotes e o símbolo. Do outro, temos as garotas com vários rapazes em volta, de queixo erguido, com jornais: um muro de palavras atrás deles. É a arma deles, é o que elas tem para se defenderem. A tropa de choque avança contra pessoas desarmadas - e isso é obviamente uma constatação óbvia do quão covarde um regime militarista e ditadorial é. As garotas não estão armadas, elas só tem a música. Mesmo assim uma tropa inteira de homens vai pra cima delas. Mas elas só começam a cantar quando mostra a Ga-In, acorrentada na cadeira, tendo uma câmera diante dela, a registrando. De acordo com a liricista Kim, Ga-In possui uma história anterior: ela usa a jaqueta militar do amante dela que morreu, e acaba sendo acusada de traição e subversão, sendo, então, presa, humilhada, torturada e abusada. Ela está assustada, mas diz que não é submissa. Nunca foi, nem será - e a mesma artista diz isso diante das tropas. Podemos notar sua força não se rebaixando a nenhuma forma de prisão.






A foto acima é do exército norte-coreano.

Em seguida, é a Narsha que se comporta como uma fera selvagem. Ela "foi dirigida para agir o mais selvagem possivel para o video", diz Kim, e isso é visível: com sua roupa de oncinha, unhas lixadas como mini-garras, o cabelo desfiado e castanho-meio-loiro, a maquiagem que lembra um felino. Depois da Narsha, temos a Jea presa nos galhos. Vagamente todos os galhos e tudo o mais, vistos de cima, me lembraram a coroa de espinhos que Jesus usa na crucificação e tudo o mais e isso combina com o que Kim disse, sobre Jea representar o sacrifício em si. Ela diz também que, diante das tropas de choque, Jea significa a música, sendo a líder, a que representa a vontade da música se rebelar. Jea, aponta Kim, é a única que não se rebela diretamente como Narsha, Ga-In ou Miryo fazem. Isso diz algo sobre a personagem de Jea dentro desse vídeo.

Nessa parte, cantam que "a música ocupará o vazio entre nós dois". Seria como se elas falassem que a música ajudará na aproximação entre as duas Coréias? Isso não seria de todo estranho, porque quem sabe um pouco de história entende que a arte, de modo geral, tem importância nas revoluções. Livros, músicas, peças de teatro - tudo é escape de uma situação, forma de expressar desagrado, revolta e/ou insubordinação a algo. Música também pode ser política, e talvez seja disso que as garotas falem. De se aproximar da outra Coréia - que não sei como elas vêem essa situação, mas eu imagino que seria como países irmãos e separados pelas brigas. Mas mesmo assim um irmão - ou irmã. Se eu fosse desenhar uma história que países seriam pessoas, eu colocaria as Coréias como duas garotas irmãs. Depois vem uma parte da música que eu gosto: "mais do que um sentimento, uma sensação de tirar o fôlego". Qualquer um interpreta isso como uma garota falando ao seu amante de como o enlouquecerá e o tirará do sério. Mas eu, sempre viajando na maionese, não acho que seja amor ou paixão ou tesão ou qualquer coisa que venha de um casal, e sim de liberdade.

Para um povo que vive preso, manipulado, acorrentado ao que o governo diz em um regime que não pode fugir, liberdade é simplesmente embriagante. Não é simplesmente algo pra sentir (a despeito da clássica frase de Clarice Lispector que diz que "liberdade é pouco, o que eu quero ainda não tem nome"), é algo além, indescrítivel, de "tirar o fôlego". Nesse contexto, a música e tudo o que eu estou pensando cai muito bem. Mais tarde, elas dizem que "esse sentimento que pretendo compartilhar transcede os limites da emoção". Mais uma vez, penso em liberdade, mais uma vez eu penso nos sul-coreanos dizendo isso aos norte-coreanos. Penso nelas falando não com namorados, mas com todo um povo - apresentando algo à eles, dividindo algo melhor do qualquer coisa e, para isso - e para isso serve o vídeo - tendo que se rebelar contra o sistema.

Nesse ponto do vídeo, as coisas estão simplesmente ficando tensas. As correntes de Ga-In são mais focadas e podemos perceber que Jea não está exatamente tranquila presa nos galhos, com toda a água, parecendo que vai se afogar. O vídeo está chegando ao que eu chamo de clímax. Há uma pequeninha parte que eu gosto, que é a de um gato preto andando no muro e depois saltando. Eu não consigo achar muita coisa sobre o que o gato significa na Coréia do Sul, mas eu achei um texto pequeno aqui que fala que o gato era venerado pelos budistas pelo auto-domínio e meditação pelos primeiros budistas (budismo é uma religião predominante na Coréia do Sul, apesar do número de cristãos estar crescendo). Em um blog, eu achei um texto que fala sobre significados em brasões e diz que gatos geralmente significam liberdade, vigilância e coragem (e todos os conceitos batem com o do vídeo, mas é um blog ocidental, logo...).





Vamos interpretar dessa forma e prosseguir. Repare que o gato pula o muro e do muro dá pra ver um pedaço da casa: ele está no ambiente da Miryo, a dos microfones. Mas depois Ga-In canta para os soldados pedindo para "beijá-la ao estilo francês" que significa, basicamente, de língua. Narsha aparece novamente, com mais destaque: dentro desse quarto em tons quentes, deitada na areia onde dança sensualmente, rodeada de coisas que parecem mini-televisões. Eles emitem flashes, o que, de acordo com a Kim, é pra dar mais ênfase à questão de estar sendo observada sem descanso. Narsha é felina, sabe que está sendo vigiada e parece, por um momento, até gostar disso. Ela é o sexto sentido encarnado.

E então, logo depois de uma visão de Jea aprisionada sendo puxada para baixo pela chuva, lago, galhos e tudo o mais, temos a seguinte frase entoada "no sonho, cujo o qual você guarda segredos... eu sou capaz de adentrá-los inconscientemente" e é bem nessa parte que um soldado da tropa ergue um pouco do seu capacete. As garotas tinham - lembrem-se - só as palavras ao favor delas. Elas não são como os governos das Coréias que tem mísseis e direto um míssel "cai" no terreno do outro. Elas são o povo, que não vai ter como se defender caso aconteça uma guerra. Elas tem a música e música é uma mensagem inconsciente. Politicamente e viajadamente na maionese falando, é a Coréia do Sul tendo sua mensagem ouvida na Coréia do Norte - e realmente fez estremecer a estrutura. O soldado ergue seu capacete, isso já faz com que ele abaixe a arma e ouça mais. E então temos a proposta de um novo mundo e a Miryo, diante dos microfones, acorrentada pelos pulsos e é interessante observar que cada corrente é atrelada a um leão de pedra - leão significa poder em qualquer lugar do mundo, devido a toda sua majestade. O leão é a autoridade a que ela está presa, e os microfones significam que ela tem que dizer algo. Não pode simplesmente ficar calada. Miryo tem o papel de rapper do grupo, então ela tem destaque nessa parte: está convidando alguém a começar um novo mundo, está sendo direta, quase autoritária. Ela é imperativa. "Cante pra mim, querido! Um pouco mais alto! Está melhor assim! Siga-me! Gracias!" em tom de ordem dão o tom da música. Não é só um convite, é quase uma exigência. No instante que ela diz que as "demais canções serão entediantes" e pede fogo, é o instante que ela se liberta - do poder, da autoridade, de tudo.




Ela está agindo por conta própria em nome do ideal dela. Ela atira (diante das tropas de choque), então, a máscara dourada do ditador e esse é o momento que a rebelião realmente começa. Os soldados começam a tirar as máscaras e se despir das armas, debaixo da chuva. A água tem um fator importante. Dentro do budismo, água significa pureza, serenidade, clareza. A água tem o significado de "limpar" não só as sujeiras materiais, como as imateriais - e isso se ajusta perfeitamente dentro do vídeo. A chuva é o momento que os soldados percebem o quão iludidos e enganados foram. É o momento da quebra total: Narsha chuta os microfones, Ga-In consegue fugir, Narsha joga uma mini-televisão pro lado, Jea parece (novamente) que está se afogando de vez, há mais gente dançando com as garotas e todos estão alvoroçados, sendo atingidos com enormes jatos de água, percebendo toda a trama de um ditador por trás e experimentando essa coisa que é além do sentimento, algo que nunca sentiram antes. A máscara dourada no chão representa a queda do ditador, porém...




... aparentemente era tudo uma fantasia. Tudo como um sonho, um desejo das garotas. A última cena é simplesmente a tropa de choque indo pra cima das garotas e acaba aí. Não sabemos, mas a mensagem fica embutida de que elas perderam, no fim das contas. Assim como a guerra: ela está acontecendo e não haverá vencedores se continuar desde jeito, normalmente estável, mas sempre com tensão no ar, desejos nunca completados, no fim das contas.

No fundo, Sixth Sense é sobre liberdade e revolução.



*** Não tem menção ao diretor ou diretora. Isso é porque eu não consegui descobrir quem dirigiu o vídeo.

1 comentário:

  1. Não sou muito chegado à k-pop, mas gostei muito do video. E adorei a analise, principalmente pq gosto (não em um sentido de aprovar, mas de achar interessante q) da história das duas Coreias.

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